Uma
consulta pública no site do Senado mostrava na noite desta quarta-feira, 9, a maioria dos votos contra a
aprovação do projeto de lei que pretende
regular a comunicação audiovisual sob demanda, ou o VOD (“Video on Demand”). Ao longo do dia, profissionais
do setor do audiovisual se mobilizaram em correntes para reverter a enquete
referente ao projeto PLS 57/2018, do senador Humberto Costa (PT-PE). Até as 20h26, eram cerca de 5,2 mil votos contra o projeto, e 1,4 mil a favor.
Tais enquetes não são mandatórias, e os relatores
e demais senadores não necessitam seguir o resultado da votação das consultas
públicas. A finalidade é apenas sinalizar
a opinião do público que participou da consulta. A enquete pode ser vista aqui.
O projeto em tramitação versa sobre a
distribuição de conteúdos fornecidos por banda larga diretamente às TVs, celulares
e outros dispositivos. Plataformas de streaming como Netflix, Hulu, Globoplay e
Amazon Prime Video estão no alvo. O
relator do projeto é o senador
Izalci Lucas (PSDB-DF). Ele promoverá mais um
debate, antes de apresentar seu parecer.
Entre outros itens, o PLS 57/2018 institui
que a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional
(Condecine) será progressiva, até 4% sobre o faturamento bruto apurado pelas
empresas de VoD. E determina que o provedor de vídeo sob demanda deve fornecer
relatórios periódicos sobre a oferta e o consumo de conteúdos audiovisuais, bem
como sobre as receitas obtidas no desempenho de suas atividades.
O projeto de lei foi debatido na casa legislativa na Comissão de
Assuntos Econômicos (CAE), na última segunda-feira (7). De uma forma geral, as plataformas e estúdios
internacionais são contrários ao texto, os grupos nacionais de TV paga e
radiodifusão são contrários a taxações mas pleiteiam igualdade de condições
para todos – eles destacam que as operadoras de TV paga são obrigadas a cumprir
cotas de programação nacional e a oferecer canais gratuitos obrigatórios (TV
Câmara, TV Justiça, TV Senado etc). Os produtores nacionais de conteúdo,
cineastas e demais profissionais do audiovisual são favoráveis ao PL.
Para o diretor-geral da Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Cristiano Lobato Flores,
é importante discutir o projeto, já que o texto propõe a organização do
serviço, a regulação do acesso à informação, estabelece cotas de tributação,
além de tratar de temas relativos à responsabilidade editorial. Flores pontuou,
no entanto, que o modelo proposto por Humberto Costa é denso demais e poderá
impedir o crescimento do setor. “ Não é uma tarefa fácil. Estamos falando de
uma agenda regulatória, inclusive sobre de que tipo será: se densa, se soft ou
até mesmo se haverá essa regulação. Até porque o mercado ainda é prematuro, e
não demanda uma intervenção estatal”, afirmou.
José Maurício Fittipaldi, da Motion Picture
Association of America (MPA), que representa os estúdios de Hollywood, disse
que o PLS 57/2018 apresenta riscos de caracterização de abuso regulatório, já
que a proposta pode resultar em reserva de mercado. Ele enfatizou a necessidade
da observância de dados técnicos “Não” experiência europeia não pode servir
como modelo para implementação das regras no Brasil, Fittipaldi explicou que as
diretrizes do tema na Europa têm menos de um ano de aplicação, e que os estados
membros têm até setembro de 2020 para adotar as medidas por completo. “Não há
dados, não há experiência a demonstrar que esse caminho é o melhor.
O único
dado que existe sobre a experiência europeia é do mesmo mês em que a medida foi
implementada, e o relatório não considera qualquer tipo de efeito dessa
diretiva. Estamos num cenário desafiador, dentro de um contexto de crise
econômica, onde fica claro que esse projeto é altamente intervencionista e
excessivo”.
O fundador da Sofá Digital, Fábio Lima,
defendeu cautela sobre o assunto e pediu que os parlamentes analisem questões
técnicas antes de propor a legislação. O advogado da Associação Brasileira de
Programadoras de TV por Assinatura (ABPTA), Marcos Bitelli, questionou pontos
do projeto como a necessidade de responsabilização editorial. Segundo ele, a
classificação indicativa já existe nos vídeos sob demanda e as plataformas já
dispõem de bom relacionamento com órgãos como o Ministério da Justiça.
A diretora de Relações Governamentais e
Políticas Públicas da Netflix, Paula Pinha, considerou que a tributação de
serviços sobre demanda não produz os mesmos efeitos conseguidos em outros
setores do audiovisual, como cinema e televisão. Para ela, a cota sugerida no
PLS 57/2018 prejudica produtores e consumidores, uma vez que os catálogos de
ofertas de obras deverão ser reformulados com a futura aprovação da lei. “Se um
dos pilares do projeto é garantir a presença de conteúdo brasileiro nesse novo
segmento de mercado, a discussão de medidas alternativas de fomento à atividade
seria o caminho mais acertado”.
Favorável à medida, o presidente do
Congresso Brasileiro de Cinema, Rojer Garrido de Madruga, disse que há um
desinteresse dos empresários na livre concorrência e no pagamento de impostos.
Ele ponderou, no entanto, que o mercado de VoD é um negócio como qualquer outro
e sugeriu que o governo use a “dose certa” na tributação do setor. “É muito
mais fácil simplificar toda a burocracia cobrando em cima do faturamento. Claro
que não pode ser muito nem pouco, e até podemos usar o modelo da Espanha e
Itália, que tributam [essa atividade] em 5%.”
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Debate na Comissão de Assuntos Econômicos no Senado - Foto: Edilson Rodrigues/Agênca Senado |
O secretário do Audiovisual da Secretaria
Especial da Cultura Ministério da Cidadania, Ricardo Rihan, disse estar atento
às demandas da audiência pública, no intuito de oferecer soluções para o setor.
Ele afirmou ser contrário aos excessos regulatórios, citando a importância da
sanção da MP da Liberdade Econômica, que estabelece garantias de livre mercado.
Rihan defendeu, no entanto, uma isonomia competitiva entre as empresas, com
vistas à regulação tributária. “As grandes mediatechs, conceito que está na
essência das startups de mídia, por exemplo, têm que contribuir também, de
acordo com a relevância que têm no mercado. E eu pergunto: há uma tributação
melhor do que a feita sobre o faturamento? Sei que isso não é consenso, mas me
parece um caminho convergente — observou.”
Já o subsecretário de Competitividade,
Concorrência, Inovação e Serviços do Ministério da Economia, Marcelo de Matos
Ramos, observou que o crescimento do VoD revolucionou o mercado, criando uma
dinâmica de concorrência no setor. Para ele, o desenvolvimento dessas empresas
não deve ser impedido por uma regulação impensada. Ao comentar que discussões
sobre o assunto se arrastam por anos junto ao Conselho Nacional de Cinema,
Ramos advertiu para o fato de que o PLS 57/2018 pode seguir o mesmo caminho,
impedindo a inovação no país.”Não seria possível pensar num novo modelo para o
setor audiovisual que progressivamente diminua o peso da intervenção estatal,
deixando o setor privado criar sua própria dinâmica? Por que não inovar no
fomento? Creio que isso resolveria muitos problemas relacionados até mesmo ao
incentivo, já que o VoD está conseguindo aumentar a diversidade e por que não
termos uma fatia desse mercado?”
Entenda o PLS
O Projeto de Lei do Senado 57/2018 aguarda
o parecer do relator, senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Depois, o texto passará pelas Comissões de Educação,
Cultura e Esporte (CE), de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e
Informática (CCT) e de Constituição e Justiça (CCJ), que terá decisão
terminativa.
Entre os dispositivos do projeto, está o
que determina os princípios da comunicação audiovisual sob demanda, quais sejam
a liberdade de expressão e de acesso à informação. O texto também define como
compromissos desse serviço a promoção da diversidade cultural, da língua portuguesa
e cultura brasileira; o estímulo à produção independente e regional; a vedação
ao monopólio e oligopólio; e a acessibilidade aos conteúdos audiovisuais.
A proposição institui que a Contribuição
para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) será
progressiva de até 4% sobre o faturamento bruto apurado. E determina que o
provedor de vídeo sob demanda deverá fornecer relatórios periódicos sobre a
oferta e o consumo de conteúdos audiovisuais, bem como sobre as receitas
obtidas no desempenho de suas atividades
No catálogo deve haver, de modo permanente,
um percentual de conteúdos audiovisuais brasileiros determinado pelo Poder
Executivo em regulamento. Metade desses conteúdos devem provir de produtoras
brasileiras independentes, considerando a capacidade econômica de cada agente,
a atuação no mercado e a produção total de títulos brasileiros nos cinco anos
precedentes.
A proposta também obriga o provedor do
serviço a investir anualmente um percentual de sua receita bruta na produção ou
aquisição de direitos de licenciamento de obras brasileiras.
“Tais disposições vão assegurar, a nosso
ver, um mercado dinâmico, com equilíbrio competitivo entre as várias
modalidades de serviço”, justifica o autor, o senador Humberto Costa.
Segundo o projeto, a Condecine será devida
por todas as pessoas jurídicas de direito privado que atuem nesse segmento de
mercado, sejam os provedores do serviço de vídeo sob demanda, sejam os
responsáveis pelas plataformas de compartilhamento de conteúdos. A taxação será
aplicada também sobre a receita bruta anual dos contribuintes em alíquotas
escalonadas que vão de 0 a 4%.
As empresas contribuintes poderão descontar
até 30% do valor da Condecine, para adquirir direitos ou produzir obras
cinematográficas ou videofonográficas brasileiras de produção independente. E
parte desses 30% serão destinadas a produtoras brasileiras das Regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. As micros e pequenas empresas optantes pelo Simples
Nacional estarão, segundo o projeto, isentas da contribuição.
A acessibilidade também é garantida no
projeto, que estabelece que todos os conteúdos audiovisuais oferecidos tenham
legenda, audiodescrição e linguagem brasileira de sinais (Libras). Por fim, o
projeto determina sanções e penalidades a quem descumprir as obrigações
dispostas na futura lei, que vão desde advertência a cancelamento do registro.
Em sua justificativa, Humberto Costa afirma
que o mercado de conteúdo audiovisual sob demanda vem crescendo rapidamente no
país e compete com outros segmentos da mídia audiovisual — como a televisão
aberta e os serviços por assinatura — sem estar sujeito a obrigações
equiparáveis. O autor afirmou que seu projeto se inspira na iniciativa
semelhante do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), o PL 8.889/2017, apresentado na
Câmara.
“Nesse sentido, oferecemos este texto, que
determina seu enquadramento em condições que acreditamos estar equilibradas com
a de outros segmentos, em especial os serviços de acesso condicionado,
regulamentados pela Lei 12. 485/2011”, afirmou.
Em relação à Condecine, o autor disse que
optou por aplicar uma contribuição progressiva de até 4% sobre o faturamento
bruto, acompanhando práticas de outros países para o setor. Quanto ao estímulo
ao consumo de títulos brasileiros, Humberto Costa disse que preferiu atrelar o
número de títulos disponíveis ao porte de produção local nos últimos cinco anos
e ao porte das empresas provedoras, implantando o denominado “destaque visual”
desses títulos.
Sobre o estímulo à regionalização da
produção audiovisual brasileira, o senador aplicou o que já é feito pela lei
dos serviços de acesso condicionado (Resolução 581, de 26 de março de 2012),
estipulando que o mínimo de 30% dos recursos destinados ao Fundo Setorial do
Audiovisual sejam empregados em produções das Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste.
**(com informações da Agência Senado)
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